Escrito Por Prof. Dr. Joel Dutra
A literatura e as discussões sobre processo sucessório privilegiam a identificação e preparação de sucessores, entretanto, vemos com grande preocupação o despreparo das pessoas a serem sucedidas para desenvolver seus sucessores.
Cremos que esta questão estará cada vez mais presente em nossas discussões sobre o processo sucessório, já que o desenvolvimento de sucessores está nas mãos das atuais lideranças.
Goldsmith (2009) afirma que em muitos textos os autores retratam os executivos como seres absolutamente lógicos, como se fossem vulcanos, em referência à série jornada nas estrelas onde Leonard Nimoy interpretava um ser absolutamente lógico e que procurava eliminar suas emoções. Goldsmith (2009) escreve que em sua experiência como coach de CEOs, nunca encontrou um CEO vulcano aqui no planeta Terra. Ou seja, de fato os executivos são pessoas com emoções, as quais se manifestam com maior intensidade em situações de grande pressão ou desgaste. O processo sucessório é um desses momentos tanto para a pessoa que sucede quanto para a pessoa que é sucedida.
As pessoas falam o pensam e fazem o que sentem, em situações de grande pressão as pessoas pensam de um jeito e sentem de outro, sem ter consciência desse fato, assim falam uma coisa e fazem outra. Ao analisar várias biografias tivemos a oportunidade de ouvir vários relatos desse tipo, de pessoas que se sentiram tão humilhadas pela forma como o processo sucessório foi conduzido que passaram a boicotar o desenvolvimento do sucessor, sem consciência do fato.
Para aprofundarmos nossa discussão sobre esse tema agrupamos as informações de nossas pesquisas nas seguintes categorias:
- Dificuldades de escolher e/ou trabalhar a indicação de um membro da equipe para o processo sucessório;
- Trabalhar a si próprio para desenvolver pessoas para posições de maior complexidade;
- Aceitar que o membro de sua equipe está pronto para posições de maior complexidade.
Indicação do sucessor
A dificuldade de indicar alguém para o processo sucesso está ligada a um processo complexo para o gestor e para a organização. De um lado o gestor não pode fazer essa indicação isoladamente, mesmo porque quem vai conviver com seu sucessor serão seus pares e seu chefe. De outro lado ao indicar uma pessoa para ocupar posições de maior complexidade está entregando um membro valioso de sua equipe para a organização.
Esse quadro gera no gestor um posicionamento ambíguo, sente-se valorizado por desenvolver alguém reconhecido pela organização como uma pessoa diferenciada e, ao mesmo tempo, sente receio de não poder contar com alguém valioso para sua equipe de trabalho.
Um sistema formal e estruturado de sucessão ajuda os gestores a superarem essa dificuldade, mas não os deixam imunes à dor do processo. Por essa razão, os critérios para indicar pessoas para o processo sucessório e, principalmente, a forma de aplicá-los é fundamental para a sua efetividade. O fato de que o primeiro passo, para a indicação de uma pessoa para o processo sucessório, ser dado por seu gestor, minimiza a possibilidade de ameaça. A partir desse primeiro passo será o gestor a defender sua indicação perante seus pares e superiores, conferindo legitimidade a sua indicação e oferecendo-lhe maior segurança em seu posicionamento.
Outro aspecto importante do processo sucessório que minimiza o desconforto do gestor é o fato de não estar indicando alguém para sucedê-lo e sim para ocupar posições semelhantes a sua na organização.
Medo de ser substituído
Uma vez efetuada a indicação, há uma grande dificuldade de o gestor assumir o desenvolvimento de um membro de sua equipe. Essa dificuldade está mais presente quando o gestor necessita criar oportunidades para que a pessoa interaja com seus pares e seu superior. É um momento em que a pessoa começa a entrar no terreno de seu gestor, gerando no mesmo medo, inveja, raiva e outros sentimentos normais nessas situações.
A exposição política é fundamental para desenvolver uma pessoa que nunca frequentou a arena política e está indicada para uma posição gerencial. Essa exposição só será possível se o gestor da pessoa oferecer espaço e condições concretas para tanto. Neste momento o processo de desenvolvimento pode não ocorrer, porque o gestor terá sempre desculpas verdadeiras, tais como: não tenho tempo neste momento, você não está pronto para esse nível de exposição, o contexto atual da organização não aconselha esse tipo de exposição etc.
Caso o gestor não trabalhe a si próprio terá sempre grandes dificuldades para encarar o desenvolvimento de pessoas para o processo sucessório. Entretanto, se conseguir poderá aprender muito com o processo e tirar muitas lições para o seu desenvolvimento.
Quando eu era um jovem gestor, tinha uma equipe verde e imatura e seu propósito era fazer com estabelecem uma comunicação mais direta com os clientes, para tanto, fui estimulando esse processo e ao final de um ano e meio os resultados começaram a aparecer. Na época a comunicação interna em nossas organizações era efetuada através de memorandos e telefonemas e o meu indicador de sucesso era que minha mesa estava cada vez mais vazia e que recebia cada vez menos telefonemas, porque os memorandos e os telefonemas eram endereçados diretamente para a equipe. Embora o sucesso do processo fosse evidente, passei a sentir um enorme vazio, porque havia me tornado dispensável e não tinha clareza do meu papel na organização. Nesse caso o racional me dizia que estava tudo bem, o processo era um sucesso, e o emocional me dizia que estava tudo errado, o processo tinha sido um grande equívoco e o resultado era perda de espaço. O desconforto durou várias semanas até surgirem novos desafios e novos espaços na organização.
Esse relato mostra o desalinhamento que ocorre entre o racional e o emocional. Quando há uma clareza do que está ocorrendo conseguimos equilibrar essas duas dimensões e agir de forma adequada, quando não há essa clareza, o emocional se impõe e buscamos explicações racionais para justificar o que sentimos.
A organização deve auxiliar os gestores através do acompanhamento do desenvolvimento das pessoas indicadas para o processo sucessório e uma cobrança sistemática da alta administração nesse sentido. Caso isso não ocorra, as pessoas serão sempre promessas de sucessão e nunca uma realidade, como observamos na maior parte das organizações brasileiras analisadas em nossas pesquisas.
Aceitar o sucessor
Aceitar que um filho já cresceu e pode trilhar seu caminho sozinho sem depender da interferência e dos conselhos dos pais é muito difícil. Uma situação análoga pode ser observada em admitir que a pessoa esteja pronta para posições de maior complexidade.
Nas organizações brasileiras analisadas observamos uma grande dificuldade de oferecer desafios maiores para as pessoas internas, havendo, em muitos casos, o direcionamento da posição para o mercado externo. Não foi incomum verificar que as pessoas trazidas do mercado tinham experiência e maturidade profissional semelhante ou em menor nível que as pessoas internas. O que explica então esse receio de apostar na prata da casa?
Uma explicação possível é que o gestor ao conviver com a pessoa e trabalhar seu desenvolvimento percebe os pontos fortes e fragilidades apresentados pela mesma. Tenderá a recear expor a pessoa prematuramente a desafios que podem colocá-la em risco e terá dificuldades em admitir que esteja pronta para enfrentá-los.
Caso a pessoa em questão seja consultada pode também não se achar pronta para o desafio ou ao se aconselhar com seu gestor ser desestimulada a aceitá-lo. O que fazer? Como podemos ter certeza de que a pessoa está pronta?
Quando olhamos para empresas mais maduras, principalmente, a multinacional com operações consolidadas no Brasil, é possível verificar que o foco de nossa atenção está equivocado. O foco é qual o suporte que a pessoa receberá ao assumir uma nova posição, estará por sua conta ou receberá suporte de suas chefias, da área de RH, de programas internos destinado a esse objetivo. A experiência dos gestores das empresas investigadas é de ter encarado sozinho os desafios da posição, projetando sua experiência e dificuldades na tomada de decisão sobre as pessoas.
Trabalhar essa questão implica em uma mudança de cultura e de foco no desenvolvimento de novos gestores e no suporte aos mesmos quando assumem suas posições.
Considerações finais
A questão comportamental no processo sucessório é muito importante e começa a ser estudada, mas quanto mais investigamos esse aspecto mais nos convencemos de sua influência na efetividade dos resultados obtidos e no desenvolvimento da organização e de suas lideranças
A literatura explora outros pontos sobre o tema como, por exemplo: a tendência de escolhermos pessoas iguais a nós para nos substituir; a existência de comportamentos patológicos que tornam o gestor um bloqueador do desenvolvimento das pessoas; gestores que limitam o desenvolvimento de sua área, negócio ou empresa por medo de perder o controle e o poder; sentimento de propriedade em relação às pessoas de sua equipe.
Referência bibliográfica
GOLDSMITH, M. Succession: are you ready? Boston: Harvard Business Press, 2009.