Entrevista a Ana Carolina Papp
Como o Brasil está em termos de digitalização do mercado de trabalho, tanto do
ponto de vista da oferta quanto da demanda?
Há vários tipos de demanda para digital. Quando você considera a demanda do pessoal
de TI (tecnologia da informação), uma pesquisa da Brasscon indica uma demanda não
atendida muito grande. Para os próximos anos, nós vamos precisar de cerca de 800 mil
pessoas com habilidade na área de TI. No entanto, o País vai formar no máximo 300
mil, e mesmo assim como uma qualidade discutível. Mas, nós não temos pesquisas
robustas sobre a demanda em outras áreas, como aqueles profissionais que estão no
chão da fábrica, da loja ou da agência de viagem. Eles precisam ter conhecimento para
poder atender o consumidor, pesquisar produtos, conhecer as características de um
produto ou serviço para informar bem os consumidores e usuários. O que a gente nota é
que as poucas empresas que têm pessoal bem qualificado nesse campo têm uma
competitividade muito superior às outras. Esse profissional, mesmo sendo um
conhecimento simples no campo digital, faz diferença.
Quais são os ganhos dessa capacitação digital mesmo nas profissões mais
tradicionais?
Basicamente, a diferença é na competitividade das empresas. Elas exploram melhor os
hábitos dos consumidores e as expectativas e também as alternativas de produtos e de
serviços existentes. As grandes empresas têm, mas as pequenas e médias não têm,
profissionais com o mínimo de habilidades digitais.
Quais os motivos para essa falta de capacitação?
Um deles é a questão do custo do treinamento em serviço das pessoas. As empresas
calculam quanto tempo vai ser gasto dos gestores e de outras pessoas que estarão
envolvidas nesse treinamento ou qualificação. Aliás, a questão principal é a de ter ou
não ter gestores competentes e pacientes para treinar em serviço. As pequenas e médias,
em geral, não têm.
No Brasil temos um quadro de desemprego, ao mesmo tempo em que falta de mão
de obra qualificada. Como que equacionar isso?
O grosso das profissões que são oferecidas no Brasil, cerca de dois terços, é de baixa
qualificação. Já um terço requer algum nível de qualificação. Para esse nível, em várias
áreas, há falta de mão de obra. Por quê? Porque o nosso sistema educacional é muito
precário, sequer prepara bem na educação básica. E preparação de educação básica é
muito importante para o mundo digital. Ela é que garante a aprendizagem de assuntos
mais complexos.
Qual sua visão sobre o ChatGPT? Esse tipo de inteligência artificial vai destruir
empregos ou criar novos empregos?
Essa não é a pergunta de um milhão de dólares; é uma pergunta de um trilhão de
dólares. O ChatGPT, de fato, é assustador, porque ele substitui muitas atividades
humanas e em vários setores. Por exemplo, ele facilita muito uma pesquisa bibliográfica
na ciência, contabilidade, Direito, política, etc. Essa ferramenta tem uma facilidade
incrível. Mesmo que você não confie totalmente na resposta, ela dá uma base a partir da
qual você pode explorar e corrigir as informações ou soluções apresentadas. Isso reduz
o tempo de trabalho das pessoas que ficam hoje longas horas no computador
pesquisando um site aqui, outro site lá, uma biblioteca aqui, uma biblioteca lá… Ao
reduzir o tempo, isso vai reduzir a demanda por essas pessoas. Sabe-se que as
tecnologias destroem e criam trabalho. Mas, a destruição é rápida e visível; a criação é
lenta e é invisível. A destruição do emprego traz impactos sociais imediatos, e isso
apavora todo mundo. A criação gera benefícios sociais de médio e longo prazo. As
pessoas não aceitam isso com facilidade, porque gostam de resultados rápidos.
Mas o saldo deve ser positivo ou negativo?
O Fórum Econômico Mundial tem um estudo sobre isso. Os pesquisadores dizem que
vai haver destruição e criação de empregos com a entrada da inteligência artificial e
demais tecnologias que substituem atividades intelectuais. Para os próximos dois anos
eles estimam uma destruição de 85 milhões de empregos no mundo inteiro e a geração
de 95 milhões. São estimativas ainda sujeitas a chuvas e trovoadas… Será preciso
acompanhar o dia a dia para ver o que vai acontecendo e depois o resultado final. Mas, é
difícil fazer esse tipo de prospecção com segurança porque os trabalhos que serão
gerados no futuro ainda não têm nome. Não se sabe quais serão. É difícil saber se eles
vão poder atender melhor a humanidade, em relação os postos que eles estão destruindo.
Mas esses novos empregos serão mais bem remunerados…
Provavelmente. De um modo geral, os empregos que são gerados a partir do
deslocamento de mão de obra devido à entrada e tecnologias digitais sofisticadas
exigem mais capacitação. Mas, aqui surge um problema que estou pesquisando há três
anos. Trata-se do o impacto social e político da transformação digital no mundo. Esse
impacto vai bem mais longe do que se pensa. Por quê? Porque, no passado, as
tecnologias substituíam trabalhos manuais rotineiros. Hoje, elas substituem vários
trabalhos intelectuais. E, quando faz isso, provoca mudanças na estrutura das ocupações
e das classes sociais. No processo de destruição e criação de empregos, nem sempre o
trabalhador que teve seu emprego destruído está capacitado para entrar no trabalho que
foi criado. As habilidades necessárias podem ser muito diferentes. Isso tem
consequências sociais muito sérias.
A pandemia de alguma forma incentivou a digitalização do mercado de trabalho?
Ainda não há pesquisas consolidadas para responder essa pergunta, mas há vários
relatos indicando que a pandemia acelerou muito o uso de tecnologias digitais. O
impacto foi diferenciado nos vários setores de atividade. Isso já está sendo pesquisado.
Em termos de políticas públicas, qual o papel do governo no incentivo à
capacitação digital?
Para se estimular uma empresa a treinar seus empregados, há alguns desafios. Quando a
empresa é bem estruturada e tem capital para investir em educação e treinamento, ela
faz por conta própria. Mas quando ela tem limitações de capital e limitações de acesso
às escolas e programas de capacitação, elas precisam de estímulo. E o Brasil já teve um
estímulo desse tipo. Era a Lei 6.297/1975, Proposta por Mario Henrique Simonsen, e
que vigorou até o tempo do Presidente Collor. O que dizia essa lei? Toda a empresa que
investir no treinamento, na capacitação do seu pessoal, e que estiver bem documentado
num relatório, terá uma isenção parcial de Imposto de Renda. Era um estímulo
importantíssimo. Mas, a avaliação rigorosa era difícil. Relatórios imensos acumulavamse no Ministério do Trabalho que não tinha capacidade de análise e avaliação. Mas hoje
em dia, com os recursos da informática, pode-se exigir das empresas um bom relatório
de programa e dos seus resultados.
O sr. acha que isso deve ser discutido no âmbito da reforma tributária?
Eu acho que sim. É a hora certa. Deveria ter prioridade.