Escrito por Prof. Dr. Joel Dutra
A questão comportamental está presente no processo sucessório em vários momentos e de várias formas. Em nossas pesquisas sobre a produção científica até 2014 não encontramos nenhum trabalho estruturado sobre o tema. Marshall Goldsmith (2009) escreveu um livro sobre o tema com base em sua experiência e sem nenhuma pretensão científica. Trata de um livro endereçado a um presidente de empresa que está próximo de sua aposentadoria e preparando sua sucessora. No livro o autor, um experiente coach de presidentes, oferece indicações sobre o que fazer e o que não fazer nesse processo de preparação da sucessora. A grande ênfase é sobre questões comportamentais.
Apesar de termos pouca reflexão sobre o tema é uma grande preocupação das organizações. Realizamos ao longo dos últimos cinco anos vários grupos de debate sobre o tema (focus group) onde as questões comportamentais emergiram de forma frequente e em grande intensidade. As principais questões foram relacionadas em como trabalhar a ansiedade das pessoas indicadas ao processo sucessório, se devemos ou não tornar a indicação transparente, como lidar com a pessoa que está se aposentando e necessita transmitir sua posição para outra pessoa, como lidar com o desconforto de determinadas pessoas em assumir posições gerenciais, como lidar com as diferenças entre as arenas políticas do nível tático e estratégico, como lidar com o gestor que se sente ameaçado por pessoas que pensam ou atuam de forma diferente etc.
Não temos a intenção de esgotar a questão neste artigo, mas de lançar as bases para uma compreensão desse processo e estimular reflexão para um aprofundamento de sua discussão.
As inquietações sobre esse tema foram agrupadas em grandes categorias. A primeira categoria trabalha as questões comportamentais referentes à pessoa que está sendo preparada para posições de maior complexidade na organização e tem que encarar situações novas, avaliações mais exigentes e lidar com sua ansiedade e ambições. A segunda categoria está relacionada à transição na carreira vivida, principalmente, por técnicos que se transformam em gerentes, nesses casos a pessoa muda sua identidade profissional e sofre uma grande tensão emocional. A terceira categoria abraça os dramas vividos pelos gestores que necessitam preparar sucessores para suas posições ou para posições equivalentes, nesses casos não é incomum se sentirem ameaçados e pressionados e, de forma inconsciente, colocam o processo em segundo plano e não lhe dão a importância devida.
DESAFIOS NA PREPARAÇÃO DE SUCESSORES
A preparação de pessoas para posições de maior complexidade raramente recebe o tratamento adequado. Normalmente, as pessoas são expostas a desafios e situações mais exigentes sem ter qualquer informação sobre as razões e os motivos. É comum que as pessoas encarem essas situações com certa normalidade e se apropriarem das oportunidades de desenvolvimento. É comum, também, que as pessoas construam expectativas em relação a essa prática da organização, procurando antever os movimentos sucessórios. Como resultado, observamos que são frequentes as frustrações das pessoas frente as decisões da organização para indicar pessoas para as posições de maior complexidade, há um sentimento de injustiça e incompreensão sobre os critérios utilizados na escolha.
O processo sucessório deve ser confidencial em relação à indicação de pessoas para determinadas posições, porque essa indicação é fugaz. De outro lado, recomenda-se transparência sobre as intenções da organização em relação a uma determinada pessoa para assumir posições de maior complexidade, ainda que não seja possível assegurar para que posição ou quando isso ocorrerá. Essas indicações dependem de cada situação, da cultura organizacional e das pessoas envolvidas.
Observamos em nossas pesquisas uma clara vantagem da transparência sobre as intenções da organização em relação à pessoa e em torná-la cúmplice do seu processo de preparação para a sucessão. Desse modo, é possível gerenciar a ansiedade e expectativas das pessoas, aprimorar os critérios de escolha e desenvolver um diálogo entre essas pessoas, suas lideranças e a organização.
Para estruturar a discussão deste tema, elegemos as seguintes situações:
- Insumos para a estruturação do desenvolvimento da pessoa;
- Estruturação do processo de desenvolvimento da pessoa;
- Acompanhamento e diálogo com a pessoa;
- Indicação da pessoa para uma posição de maior complexidade.
Insumos para a estruturação do desenvolvimento da pessoa
O desenvolvimento da pessoa para o processo sucessório normalmente tem as seguintes fontes. A primeira é a percepção de seu gestor, corroborada por seus pares e superiores, que normalmente emerge nos processos colegiados de avaliação. Essa percepção é enriquecida pelo diálogo de desenvolvimento com a própria pessoa.
No diálogo com a pessoa o gestor percebe as expectativas e ambições da pessoa e efetua um alinhamento com as necessidades e possibilidades oferecidas pela organização. A indicação da pessoa para o processo sucessório tem como origem a avaliação da pessoa e a sua manifestação de interesse.
A segunda fonte é o próprio processo de discussão sobre sucessão. Na maior parte das empresas pesquisadas e que têm esse processo estruturado, há dois momentos: um da avaliação e indicação de pessoas para a sucessão e o outro uma reunião específica para discutir sucessão. Esta reunião específica é muito rica como fonte de pontos a desenvolver na pessoa para prepará-la.
Muitas organizações enriquecem essa fase com testes de potencial, de personalidade, de competências e outros. Esses testes oferecem informações adicionais de pontos de desenvolvimento.
Com base nesses insumos cabe ao gestor construir com a pessoa um projeto de desenvolvimento. Em empresas onde essa atividade está em fase de consolidação é recomendável que o gestor seja assistido por profissionais da área de RH ou por profissionais especializados. Neste momento a transparência do processo facilita o diálogo do gestor.
Há, entretanto, situações nas quais o desenvolvimento da pessoa passa necessariamente por sua movimentação na organização, como, por exemplo: a pessoa viver situações profissionais em outras áreas da organização, em outros países e, eventualmente, em outras organizações correlatas. Neste caso o processo deve ser conduzido pelos gestores responsáveis pela área cedente e receptora assistidos por profissionais especializados.
Estruturação do processo de desenvolvimento da pessoa
A transparência auxilia no processo de estruturação do desenvolvimento, porque é possível negociar com a pessoa as ações e situações de desenvolvimento. A situação mais comum é o desenvolvimento ocorrer na área de atuação da pessoa, onde será exposta a atribuições e responsabilidades de maior complexidade com o suporte do gestor e/ou profissionais especializados.
Em algumas situações a pessoa encontrará atribuições e responsabilidades de maior complexidade somente fora de sua área de atuação ou de sua localidade. As situações mais comuns em nossa pesquisa foram encontradas em empresas industriais, varejo e bancos onde a pessoa necessita assumir sites, lojas ou agencias de maior porte e complexidade para se desenvolver.
Observamos duas situações curiosas e interessantes. Em uma delas, uma empresa nacional controlada por uma empresa australiana e outra brasileira, um gerente de nível tático foi transferido para matriz de uma das empresas controladoras na Austrália, retornando três anos depois para assumir responsabilidades de maior complexidade.
Em outra empresa um gerente de nível estratégico assumiu toda operação de transferência de tecnologia em um fornecedor, sendo transferido para a França durante dois anos para, posteriormente, retornar e conduzir essa operação no Brasil em sua empresa de origem.
Em grandes grupos nacionais observamos a transferência de profissionais entre suas empresas, onde é possível observar uma lógica de otimizar o investimento efetuado no desenvolvimento das pessoas e, ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades sucessórias.
Em situações mais sofisticadas observamos a existência de posições reservadas para o desenvolvimento de pessoas para o processo sucessório. Um exemplo é um grande grupo industrial onde a posição de gerente de suply chain é reservada para desenvolver nos gerentes de fábrica a competência de liderar por influência, já que durante toda a sua formação tiveram experiência de liderar hierarquicamente. No mesmo sentido, uma grande mineradora usa a posição de gerente de segurança em suas minas para desenvolver a competência de liderança por influência. Em uma empresa nacional que está em processo acelerado de internacionalização existem algumas posições no exterior reservada para o desenvolvimento de pessoas, com o objetivo de oferecer uma vivência e visão internacional dos negócios.
Nos casos relatados acima, se o processo não for transparente, as pessoas envolvidas nessas movimentações podem encará-las como uma demoção e não uma ação que visa o seu desenvolvimento. Quando o processo implica em mudanças geográficas há necessidade de a pessoa negociar com sua família, por isso é fundamental que os motivos, as condições e o prazo estejam previamente acertados entre a pessoa e a organização.
Acompanhamento e diálogo com a pessoa
As pessoas estão sendo submetidas a situações mais exigentes e, na maior parte das vezes, não é fácil dosar adequadamente a quantidade de desafios e a capacidade da pessoa em responder. Por isso o acompanhamento e a continua calibragem do processo de preparação da pessoa é essencial.
Nas reuniões do comitê de sucessão são construídas percepções sobre as pessoas e sua capacidade de responder a desafios distantes da realidade. Por isso os desafios devem ser negociados com as pessoas e deve haver um contínuo acompanhamento. O diálogo sobre o desenvolvimento da pessoa ajuda na construção de expectativas das duas partes: pessoa e organização. Há uma máxima em gestão de sucessão que é: um indicador de insucesso da sucessão é quando há surpresas. Ou seja, se o processo for transparente, com diálogo contínuo, não haverá surpresas para as pessoas e nem para a organização.
Nas situações que acompanhamos há tempo para a preparação das pessoas de forma adequada e sem grandes tensões. Entretanto, observamos algumas situações nas quais a organização não tinha alternativa senão a de acelerar o processo sucessório. Nesses casos é necessário negociar com a pessoa envolvida e trabalhar com ela todos os riscos envolvidos na decisão. Esses riscos são:
- A pessoa não suportar a pressão da posição e deixar a organização frustrada. Para minimizar esse risco a pessoa deve ter suporte de seu gestor, seus pares e de profissionais especializados;
- O relacionamento familiar sofrer com a pressão recebida pela pessoa. Neste caso é importante que o período de adaptação da pessoa a nova posição seja negociado com a família;
- A pessoa sofrer problemas de saúde frente a pressão. Para reduzir o risco é necessário um monitoramento médico.
Em situações de aceleração do processo sucessório o acompanhamento e o diálogo são essenciais no processo de desenvolvimento da pessoa.
Indicação da pessoa para uma posição de maior complexidade
As organizações para obterem mais segurança preparam um número maior de pessoas para a sucessão do que sua necessidade. Em alguns momentos a organização terá pessoas prontas para posições de maior complexidade e não haverá espaço para elas. Como proceder nessas situações.
Caso haja transparência e contínuo diálogo as pessoas terão a clara percepção de seu desenvolvimento e no momento adequado para elas poderão decidir continuar na organização ou buscar oportunidades fora. Perder pessoas para o mercado faz parte da relação e a negociação de expectativas, entretanto, caso a organização não queira perder determinadas pessoas, deve negociar sua permanência oferecendo desafios e valorização correspondente.
Em alguns processos sucessórios analisados verificamos movimentos das organizações em alterar o organograma para criar oportunidades e reter pessoas críticas para o negócio.
Como fruto das indicações de pessoas para determinadas posições haverá frustrações e insatisfações, isso é inevitável, porém serão minimizadas através de um processo transparente e de diálogo contínuo.
As pessoas indicadas estarão preparadas e engajadas nos desafios se houver a participação destas nessa construção. A cumplicidade com as pessoas em seu processo de preparação evita sobressaltos e torna o processo sucessório mais suave.
Referência bibliográfica
GOLDSMITH, M. Succession: are you ready? Boston: Harvard Business Press, 2009.